segunda-feira, abril 19, 2010

A soberba humana

O Presidente da CM de Machico, a pedido de um cónego, cortou dois tis [Ocotea foetens (Aiton) Benth. & Hook.f.,], espécie protegida da Laurissilva endémica da ilha da Madeira, porque, pasme-se, interferiam com a estética da igreja matriz (ler notícia na íntegra).

O autarca, porque não tem outro tipo de argumentos, nomeadamente do tipo racional, escuda-se na arrogância do populismo do tipo "quero, posso e mando": "Não vamos deixar de fazer as coisas porque há meia dúzia de indivíduos que entendem que uma árvore é a coisa mais importante do mundo."

Lendo com atenção a notícia, subtilmente percebe-se que as árvores em causa padeciam de uma outra característica que, na actualidade, e em dita terra, parece ser um pecado mortal: tinham sido mandadas plantar, no passado, por um executivo de outra cor política!

Do Cónego Martins, autor do pedido para o abate dos dois tis, como homem da Igreja, esperava-se que compreendesse que as árvores também são obra de Deus. Esperava-se do mesmo, a humildade de compreender que estas, em nada, diminuem a obra humana . E que não alimentasse o falso conflito entre o património edificado e o natural, como se estes não se complementassem e, pelo contrário, fossem incompatíveis.


Em Machico, para se cortarem árvores, basta que os dois homens mais influentes da terra estejam em sintonia nas suas concepções estéticas.
E a opinião das outras pessoas da terra? A tal "meia dúzia" de indivíduos que gostam de árvores? Pois bem, não é relevante e não interessa para nada. "As coisas têm que ser feitas", disse o autarca. Deve ser isto a democracia, digo eu!


As árvores não serão a coisa mais importante do mundo, como disse o Presidente da CM de Machico. Mas não merecem ser cortadas por motivos tão fúteis, em nome da soberba humana.




3 comentários:

a d´almeida nunes disse...

Eu diria mais...

Em nome da soberba da besta humana.

E não há maneira de aprendermos que somos, todos nós, um ínfimo espaço no Universo. Mesmo assim somos interdependentes de toda a biodiversidade do Planeta e do Cosmos.

António

Graça Gomes disse...

Em nome de tudo e de qualquer coisa, agora até em nome da igreja se arrancam árvores!
Ao autarca de Machico que não sabe distinguir o que é um monumento, e ao cónego Martins, que tem uma noção de estética muito discutível, a ambos, aconselho a leitura de um texto/ Carta resposta do Chefe Índio Seattle à proposta de aquisição das terra onde vivia a sua tribo do Presidente dos Estados Unidos da América, Franklin Pierce – 1854:

...Mas, como pode comprar ou vender o céu e o calor da terra? Tal idéia é estranha para nós. Se não somos os proprietários da pureza do ar ou do resplendor da água, como podes comprá-los a nós?

Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo. Cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada clareira e cada zumbido de insecto são sagrados nas tradições e na memória do meu povo. A seiva que corre nas árvores transporta consigo as recordações do homem de pele vermelho. O homem branco esquece a sua terra natal, quando, depois de morto vai vagar por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem a beleza desta terra, pois ela é a mãe do homem de pele vermelha. Somos parte destas terras como elas fazem parte de nós...

...O ar é precioso para o homem de pele vermelha, porque todas as criaturas partilham a mesma aragem: os animais, as árvores, o homem todos respiram o mesmo ar. O homem branco parece indiferente ao ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensível ao ar fétido. Mas se vendermos as nossas terras, deverás recordar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte o seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu o primeiro sopro de vida ao nosso antepassado recebe também o nosso último suspiro. Se vendermos as nossas terras, deverás conservá-la como um lugar reservado e sagrado, onde o próprio homem branco possa saborear o vento perfumado pelas flores da pradaria

As flores perfumadas são nossas irmãs; o veado, o cavalo, a grande águia - são nossos irmãos. As cristas rochosas, as seivas das pradarias, o calor que emana do corpo de um pónei e o próprio homem, todos pertencem à mesma família...
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Acho que se lessem essa carta, na íntegra iriam aprender muito.

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

António e Graça,

Informação sobre como fazer uma correcta manutenção das árvores é coisa que não falta.

A esta gente sobre em arrogância e prepotência, o que falta em vontade e humildade para aprender.